Pessoalmente não tenho nada contra fazer uma tatuagem. Não faria, mas aprecio essa arte que deve ser tão antiga quanto a própria Humanidade. E é natural, também, que os “tatuandos” tenham o desejo de grafar alguma coisa em seu corpo com o alfabeto Devanagari – aquele que se usa para escrever em Sânscrito. Digo isso porque toda hora recebo alguma mensagem pedindo tal ou qual palavra ou frase para alguém se tatuar “em Sânscrito”. E que me perdoem os consulentes, mas raramente tenho tempo para responder a essas consultas.

Como transito no ambiente de praticantes de yoga, tem sido freqüente encontrar algum braço ou ombro tatuado com dizeres grafados em Devanagari (o alfabeto). Não faço comentários sem ser solicitado, mas vou confessar que me espantam algumas barbaridades que as pessoas deixaram gravar em sua pele – possivelmente sem ter consciência do que estavam escrevendo.

Vamos esclarecer. Não tenho nada a dizer quanto ao conteúdo dos grafismos, que são assunto da conta apenas de quem solicita a tatuagem. Mas nunca soube de algum tatuador que tivesse estudado o Sânscrito ou que estivesse familiarizado com o alfabeto Devanagari. Isto significa que os clientes, muito provavelmente, estão levando para o tatuador o “desenho” da palavra ou frase que querem grafar em seu corpo. E mais provavelmente ainda, estão solicitando de alguma outra pessoa o modelo para levar ao tatuador. É como uma corrente. O tatuador não sabe, e então pede ao cliente que já leve pronto. O cliente também não sabe, e então faz uma busca na Internet para tentar achar quem possa escrever um nome no alfabeto Devanagari ou uma palavra ou duas da língua sânscrita mesmo.

E então o infeliz encontra alguém que diz que sabe – e às vezes até pede uma grana para fazer o trabalho – mas na verdade não sabe. O desconhecimento de um, aliado à ousadia do outro que também não conhece, mas diz que conhece, produz as barbaridades às quais me referi. São palavras grafadas de maneira completamente errada impressas em caráter permanente (pois sua remoção é difícil e envolve um sofrimento muito maior que a gravação) na fachada corporal de uma beldade que passeia por aí, com muito orgulho. Não há dinheiro mais mal gasto do que esse…

A conclusão inevitável é que não vale a pena tatuar na pele algum grafismo que não temos certeza de estar corretamente desenhado. Alguém certa vez disse a uma estudante de arquitetura, em Mogi das Cruzes, que restaurantes chineses costumavam escrever provérbios de Confúcio nas beiradas dos cardápios. Disposta a exibir uma frase bonita, ela visitou um desses estabelecimentos e copiou cuidadosamente alguns ideogramas que enfeitavam os cantos do cardápio, sob o olhar curioso dos garçons. A sua sorte foi que ela não tatuou, mas apenas pintou em um quimono que exibia orgulhosa pelos corredores da faculdade, até cruzar com um estudante chinês, que depois de rir muito explicou para ela o que ela havia escrito, na língua de Confúcio: “este é um prato muito gostoso e bastante barato”. O que mais se pode esperar de uma frase impressa num cardápio?

Aviso aos tatuantes: restaurantes indianos não colocam mantras nos cardápios! E pesquisar no Google pode não ser a melhor maneira de encontrar um bom tradutor de Sânscrito. Na verdade é a maneira mais rápida de conseguir o contato errado. O sujeito que poderia resolver o desenho de sua tatuagem nem tem um site para tratar desse assunto. Mas o não-tradutor que se diz tradutor tem presença garantida nos links de resposta de sua busca, exibindo sem pudor nenhum suas obras, como se estivessem todas corretas.

Quando o tatuado descobre que escreveu besteira em si mesmo – e acreditem, essa descoberta é muito rara pois quase ninguém entende Sânscrito por aqui – sua primeira reação é procurar um culpado. O tatuador não é, pois ele apenas reproduziu o desenho, com muita habilidade artística e algumas “firulas” para dar um toque especial à obra. O farsante que vendeu o desenho nunca deu uma garantia, e terá uma lista de argumentos incompreensíveis para dizer que estava certo o que escreveu, alegando talvez que até mesmo indianos o consultam para aquela tarefa. O mico, portanto, vai ficar mesmo com quem carrega a “tosca” tatuagem – e que vai torcer para que ninguém mais perceba que seu sonho de consumo se tornou um pesadelo oriental.

Fica aqui o conselho, portanto, que vale como prevenção contra males maiores: quer fazer uma tatuagem em Sânscrito? Então faça. Mas assegure-se de que está escrevendo a coisa certa. Consulte um especialista de verdade, e não um oportunista. Dezenas de pessoas estudaram Sânscrito a sério e podem te dar uma boa orientação sobre a grafia de sua tatuagem. Se é uma marca definitiva em seu corpo, e você está pagando para fazê-la, então pague um pouco mais para que seja elaborada por um profissional do Sânscrito.

Aqui no Yogaforum coloquei uma coluna com links para alguns profissionais que trabalham com o Sânscrito. São pessoas que estudaram a língua em nível superior ou em cursos ministrados por instrutores sérios (daqui ou da Índia), e que são pagos para dar aulas de Sânscrito. Não sei se algum deles teria disponibilidade para pegar esses pequenos serviços de “consultoria para tatuagens”, mas certamente é um bom lugar para começar sua pesquisa.

[Esta matéria é a reprodução parcial de um texto publicado em 17/06/2008 no blog “O Sânscrito Bem Temperado“]