mais-um-sapo-2

O debate sobre a regulamentação do yoga continua. Siga este link para ler nosso artigo anterior sobre o projeto de lei de regulamentação das atividades profissionais relacionadas ao yoga que tramita em Brasília, no momento em que publicamos esta postagem. Alguns instrutores, talvez cansados da ameaça de ver sua fonte de rendimentos sucumbir a uma fiscalização de outra categoria profissional, já se posicionam favoráveis à aprovação desse projeto de regulamentação.

Mas será que uma regulamentação ajuda, de fato, a colocar um ponto final nesse problema? Na minha avaliação pessoal, com a experiência de 12 anos como assessor parlamentar e chefe de gabinete de parlamentares, a proposta de regulamentação apresentada pelo deputado Carlos Bezerra é uma farsa. O texto desse projeto de lei, assim como sua justificação, é muito ruim e não há como consertar sua redação.

A substância do nosso problema é a figura ameaçadora do agente fiscalizador, que hoje é personificada pelos CREFs (conselhos regionais de educação física). Questionados na Justiça, os Crefs têm sido forçados a recuar e abandonar suas tentativas de vincular os profissionais do yoga e as escolas de yoga ao seu campo de fiscalização. Embora, de acordo com as decisões judiciais, eles não tenham a autoridade para fiscalizar o instrutor de yoga, eles têm, sim, essa autoridade para assombrar academias, clubes e outras instituições de atividade mista que oferecem o yoga como uma de suas práticas. Como muitos instrutores são contratados por essas instituições, o Cref pressiona o empregador, que por sua vez exige do instrutor de yoga que se ajuste às exigências ilegítimas do Cref.

Para conhecer a decisão do STJ, que não deixa dúvidas sobre a ilegitimidade da determinação do Confef (conselho federal de educação física) para nos enquadrar como profissionais sujeitos à sua fiscalização e obrigados ao registro como instrutor de educação física, siga este link. No entanto o Confef insiste em omitir essas decisões maiores, e divulga apenas as decisões das instâncias inferiores da Justiça que tiveram algum parecer favorável ao seu pleito.

Por que razão somos importunados por agentes fiscalizadores de uma atividade profissional que não é a nossa? A resposta é simples. A falta de uma definição clara (para os agentes do poder público) sobre a natureza do yoga e de suas variadas vertentes sujeita a compreensão do yoga à livre interpretação de quem o observa. E as práticas de yoga podem ser percebidas pelos olhos alheios como invasões das competências privativas de outras categorias profissionais, entre as quais a educação física.

Uma aula de “Bikram Yoga”, por exemplo, tem todos os elementos que tipificam uma prática como “educação física”. O mesmo pode-se dizer de uma aula no estilo Iyengar, Power Yoga ou uma prática de Vinyasa, também. Falamos em alongamentos, tonificação de músculos, aumento da capacidade respiratória e outras tantas coisas queridas e familiares aos instrutores de educação física. Aos seus olhos estamos invadindo descaradamente o território de suas competências exclusivas.

Pode parecer também que estamos a invadir competências privativas do médicos, quando falamos em efeitos das práticas do yoga para a saúde dos praticantes. O CFM/CRM ainda não é uma ameaça, e os médicos até têm encaminhado pacientes para fazer práticas de yoga, como terapia complementar do tipo “corpo-mente”. Mas o recente amadurecimento dos debates sobre Yogaterapia pode levantar sobre nós a sombra azeda da pecha de “curandeirismo”.

O infeliz instrutor de yoga gostaria de dormir com tranquilidade, longe do pesadelo dos agentes fiscalizadores da educação física, ou de qualquer outra categoria profissional. E, por essa razão, começa a olhar com simpatia a proposta de uma regulamentação de suas atividades. O fato é que qualquer regulamentação cria competências privativas, que implicam, necessariamente na criação de órgãos fiscalizadores.

Todo projeto de lei que proponha a nossa regulamentação profissional trará, obrigatoriamente, uma cláusula que diz “compete privativamente ao instrutor de yoga…” e que descreve as atividades que somente nossa categoria pode realizar profissionalmente. E essa exclusividade demanda fiscalização por um órgão representativo da nossa categoria profissional.

Isto significa que o pesadelo da fiscalização alheia vai ser substituído pelo pesadelo da fiscalização interna (promovida pelos próprios profissionais instrutores de yoga). Essa fiscalização é promovida por órgãos autárquicos dirigidos por membros eleitos entre os próprios instrutores de yoga – o que significa que vai mandar na fiscalização quem tiver o maior poder de mobilização eleitoral.

Deu para entender o tamanho desse novo problema? Longe de colocar um ponto final às nossas preocupações, a regulamentação cria uma nova classe de problemas que demandarão vigilância e mobilização política permanente entre os profissionais bem intencionados. Só assim será possível combater um possível “rolo compressor” eleitoral que dê poder de fiscalização e punição a lideranças mal intencionadas ou a adversários/concorrentes hostis. O resultado será o mesmo estresse de fugir às investidas da educação física. A diferença é que, com a regulamentação, a ameaça vem de entre os profissionais instrutores de yoga.

Se, no entanto, a regulamentação não resolve o nosso problema, é indispensável que se rejeite o projeto de lei que está em andamento e que se proponha um novo caminho a seguir. Para o Confef, restou a alternativa de incluir explicitamente o yoga no texto da sua regulamentação. Para nós restou o caminho de desregulamentação, com a exclusão explícita de nossa classe profissional no texto da lei que regulamenta a educação física. Quem chegar primeiro, vence.

Um exemplo desse trajeto alternativo que nos resta é o projeto 7370/2002 de autoria de Luiz Antonio Fleury (já arquivado, e sucedido pelos projetos 1371/2007 de Alice Portugal e 1607/2007 de Rodrigo Rollemberg, que estão tramitando em conjunto) , que propõe uma alteração na lei que regulamentou a educação física excluindo de sua fiscalização o yoga e outras atividades que ele cita. Parece que essa tramitação foi esquecida pelos instrutores de yoga. E, por isso, ela ganhou um parecer contrário da Comissão do Turismo e Desporto (CDT) em 2013. No entanto, esta é uma proposta que atinge pontualmente o problema que nos aflige de imediato; que tem origem clara e transparente; e que traz uma solução que não cria um novo problema para nós.

Este projeto que exclui o yoga da fiscalização do Confef/Cref é preciso, limpo e bem intencionado. Não há interesses ocultos em suas entrelinhas. Então, por que não apoiar o que é bom, em lugar de tentar corrigir o que é duvidoso?