Muitos textos da literatura do Yoga foram produzidos dentro do contexto da Cultura Tântrica. É importante ter muito cuidado quando se lê um texto desses, pois certamente foi elaborado na “linguagem crepuscular” (sandhyabhasha), uma forma de escrever que ilude o leitor desavisado e ao mesmo tempo elucida o assunto para o leitor astuto – ou iniciado nos segredos dessa linguagem.
O termo “sandhya” é uma palavra feminina, no Sânscrito, que designa o ponto em que dois momentos ou objetos distintos se juntam e se fundem (ou se confundem). É a designação usual do momento da alvorada ou do crepúsculo – em especial deste último (संध्याकालः). A razão de se adotar esse nome para designar a forma tântrica de compor seus textos mais significativos é simples. Imagine que você está lendo um texto em um local desprovido de iluminação artificial, ao final do dia. Pouco a pouco, no crepúsculo, a luz do Sol se torna mais e mais fraca o que força você a prestar cada vez mais atenção para não correr o risco de uma leitura equivocada. Assim é a linguagem crepuscular: tudo está escrito com clareza, mas num formato que exige grande atenção do leitor para que não seja arrastado pelo engano por uma leitura equivocada.
A linguagem crepuscular foi adotada para proteger os textos mais importantes contra os leitores desleixados. Muitos deles mostram uma face aparentemente simples de se entender, mas quando observados com uma leitura mais atenta revelam sentidos bem diferentes. Embora explícitos e evidentes, esses sentidos desaparecem sob uma malha de sentenças que parecem sugerir um significado distinto do correto – embora de fato não o façam. É uma armadilha intencional para pegar o leitor afoito em suas próprias presunções.
Um exemplo típico de linguagem crepuscular pode ser encontrada na Hatha Yoga Pradipika, que em seu terceiro capítulo informa o leitor sobre o procedimento chamado “amaroli” que, para os Kapalikas, consiste em beber urina. O mesmo texto, no entanto, explica em seguida que o que deve ser feito é verter o “amaram” (o néctar da imortalidade), que desce a partir do topo da cabeça, para dentro do corpo passando pela região do palato. Os tolos que fazem a leitura descuidada não se dão conta de que o texto está afirmando que beber urina não é o correto. Essa leitura equivocada permeia a quase totalidade das traduções daquele texto.
Fica aqui, portanto, nossa sugestão para incrementar sua leitura dos textos da tradição sânscrita. Desconfie das traduções, especialmente daquelas que fazem com facilidade afirmações estranhas sobre tarefas que se devem cumprir, sobre a importância do contato sexual e sobre vantagens de se tornar dependente de outros. Os antigos indianos, por diferentes que fossem em relação ao nosso modo de ser moderno, eram certamente inteligentes, davam grande valor à família e, especialmente no Yoga, defendiam com veemência a necessidade de ser independente, autêntico e verdadeiro. Se a leitura estiver te afastando desses princípios, a tradução muito provavelmente está errada.
Caramba,
fica difícil ler o Hatha Yoga Pradipika desse jeito!
Encontrei o trecho sobre “beber urina” em III:96.
Um abraço,
D.
Parabéns Prof.Carlos por ajudar a desfazer tantos enganos e mentiras numa Filosofia tâo bonita como o Yoga.Lea.